sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Reafirmação do mal-estar da civilização

Freud dizia que somos o resultado de um eterno conflito entre o princípio de prazer e a pulsão de morte. Dentro do turbilhão de estímulos, impulsos e prescrições simbólicas/morais, tentamos construir uma identidade. A incapacidade de regular nossos impulsos pode acarretar em um estado de mal-estar ao qual Freud denominava 'neurose'. sob uma ótica do sujeito, a neurose (sem uma descrição exata dos sintomas, considerando a idéia de prognóstico), pode ser destrutível, causando engessamento e repulsa pelo ambiente social e por si mesmo. Analisando nosso panorama social nas últimas gerações, parece-me que o mal-estar da civilização se confirma a medida que a ojeriza para com sigo mesmo e também para com o outro se reafirma com cada vez mais força. A incessante tarefa de supressão da dor consegue encobrir a sombra da solidão com avatares e alter-egos. Contudo, dentro de uma relação de autoconhecimento, estaríamos nos distanciando de nós mesmos? Se o objetivo da humanidade realmente consistir no autoengano (respeitando o princípio de prazer), estamos conduzindo a lógica civilizatório com destino à aniquilação por nossas mãos com sucesso. O jargão "a ignorância é uma dádiva" seria o pilar do bem-estar e do reforço moral estatizante da contemporaneidade? A técnica (extensão de nossa intencionalidade instrumental inata) teria alterado nossa natureza a ponto de consolidar a compreensão de que tenhamos nos tornado realmente seres de plástico? Se a resposta for afirmativa, devemos aceitar que tudo o que é de plástico doravante se torna descartável...     

sábado, 18 de julho de 2015

Cronos é implacável

O que fazer quando se está frente a um dilacerante momento de angústia, incertezas e apreensões?

A mente - turbilhão incessante de projeções, lembranças e juízos - não permite um salto no silêncio profundo da solidão cósmica que preenche o universo. A vida parece ser a exceção e não a regra em todo o universo e ainda assim somos projetados para acreditar que operamos uma intencionalidade que nos permite escolhas e interferências na dinâmica do real. Diferentemente de outros animais, não somos impulsionados apenas por instintos manipulados por genes impessoais. Não obstante, temos uma consciência subjetiva e inter-subjetiva. Criamos categorias que se elevam a níveis de abstração cada vez mais complexos. Isto é, somos seres feitos de átomos contingentes e organizados por leis impessoais. Entretanto, essa constatação não obstruí nossos devaneios e vontades.

Diante disso, quando as adversidades e desafios da existência apresentam uma nova dinâmica para nossa percepção de mundo, gosto sempre de me lembrar de um postulado assustadoramente cruel: Independentemente dos esforços de uma vida que se pretende singular e significativa, tudo é consumido pelo tempo. Desde a matéria que preenche o espaço, passando por tudo o que existiu e ainda vai existir, até chegar em nós mesmos. - Tudo está destinado ao cruel julgo de Cronos.

Assim sendo, em momentos onde o sucesso parece transbordar confiança em meu ser penso que tal sensação é efêmera. Do mesmo modo, quando as vicissitudes da vida emergem trazendo mal-estar e insegurança, a paciência de quem se percebe insignificante me permite uma tranquilidade que afaga o ser. Em ambas as situações a crise é iminente. Contudo, a partir da premissa que reconhece nosso lugar na quimera do consideramos real, posso transitar sem maiores decepções. Em primeira instância, considero esse reconhecimento um excelente exercício de paciência, bem como de resistência.

Antes de qualquer tentativa de continuidade de nossa consciência no universo, sejamos grandes para nós mesmo e para quem nos cerca. - Sem maiores pretensões. Afinal, o que poderia existir para além do tempo senão o nada!

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Insônia e ceticismo

Vivemos em um mundo repleto de conexões que se engendram em nossas motivações primárias mais ocultas. Motivações que aparecem apenas quando direcionamos nossa atenção para a fragilidade de nossa psique primitiva e pouco assertiva. Percepções agudas e claras são raras. Contudo, são possíveis a medida que exercitadas com cautela e, sobretudo, com uma mente livre de juízos valorativos engessados por prescrições massivas.

A relação com o outro e com nós mesmos é cada vez mais efêmera. Entretanto, para quem sofre de insônia, o "deparar-se com limitações e frustrações" é algo inevitável.  Não existe subterfúgios ou anestesias que possam amenizar a angústia de se perceber errante - apenas mais um transeunte na multidão.

Nesse momento de "contemplação" o cético/ pessimista ecoa no silêncio da noite. Doravante, tudo o que antes parecia sagrado se torna mórbido, então o odor pútrido inerente à civilização encobre a apatia. Assim, para os mais acostumados, a vida se torna cômica e muito mais leve. A insônia interpela a ordem natural e artificial das coisas. Ela desafia o tempo e a lógica. A insônia é o sintoma primevo para  a dúvida incessante que não deixa o cético descansar. Ela emerge em momentos onde distrações massificantes perdem o vigor.

Sejamos mais cautelosos com a insônia... Talvez essa "anomalia" seja o último reduto da dúvida. A dúvida que desmembra nossas certezas e vaidades.




terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O ódio e a violência são problemas estritamente políticos/ambientais?

Recorrentemente nos deparamos com a violência emergindo em vários setores da sociedade. Seja por meio da violência institucional ou através dos conflitos decorrentes das relações interpessoais, a violência sempre representou um fenômeno desafiador para a compreensão humana. Contudo, será que para uma melhor compreensão desse fenômeno devemos obrigatoriamente considerar apenas a sua dimensão social e política? 
Obviamente o problema da violência tem suas maiores implicações no âmbito social (moral) e político (compreendendo essas dimensões como resultado de demandas ambientais), uma vez que tais constructos representam o acúmulo cultural de nossa espécie no decorrer das várias gerações que habitaram esse planeta que denominamos 'Terra'. Além disso, a expressão política representa um mecanismo social que tem como razão de ser a institucionalização dos conflitos decorrentes do gerenciamento de recursos necessários para a regularidade de nossa espécie. Entretanto, será que a solução para amenizar a violência entre os partícipes de uma determinada comunidade reside na melhor organização social e política como as teorias ambientais propõem? 
Considerando a noção moderna de que existe de fato uma luta de classes, onde uma minoria dos indivíduos determina o direcionamento dos interesses políticos em detrimento de uma maioria subalterna a tais interesses, poderíamos afirmar que a violência seria uma resposta negativa em não conformidade com as "regras do jogo"? Isto é, utilizando como auxílio o reconhecimento dos altos índices de violência nos grandes centros urbanos, podemos afirmar que a violência representa uma resposta social hostil daqueles indivíduos que não aceitam as demandas organizacionais vigentes e, portanto, tal problema depende de uma equiparação ou inversão desses interesses? Segundo uma perspectiva ambiental que considera a violência como um mecanismo apreendido estritamente por meio da experiência social, a resposta é afirmativa. Sim, segundo as teorias ambientalistas, somos violentos porque estamos inseridos em um ambiente que promove a competitividade a partir de pressupostos políticos e sociais desiguais. 
Dado a existência dessa perspectiva de análise, coloco a seguinte pergunta: Será que essa é a única forma que temos para compreender o fenômeno da violência? 
Será que se em um dado momento da história de uma determinada comunidade a possibilidade de equiparar os interesses de todas as partes envolvidas se concretizasse, a violência seria descartada do repertório comportamental do grupo em questão? 
   
Acredito que tal perspectiva estritamente ambiental seja insuficiente para compreender o fenômeno da violência, assim tentarei apresentar de forma sucinta uma segunda perspectiva...
Ainda utilizando da própria perspectiva ambiental, podemos perceber que o fenômeno da violência, mesmo representando um aspecto pejorativo na maior parte das comunidades organizadas, ocorre com regularidade em todas as instâncias sociais - Inclusive no interior das chamadas "elites". 
Diante dessa constatação proponho uma outra perspectiva para expandir o entendimento acerca do fenômeno da violência. Tal perspectiva consiste na investigação das motivações psicológicas estruturais que constituem a consciência humana. Esse método de analise tem sido promovido por vários teóricos em diversas áreas que investigam o comportamento humano, como a psicologia evolutiva, a sócio-biologia e a neurociência. 
A partir de uma compreensão de que nossa consciência foi programada pela seleção natural, através de um longo processo de descendência com modificação, percebe-se que nosso cérebro é configurado com mecanismos estruturais inatos e universais (localizadas em regiões evolutivamente mais antigas em nosso cérebro como o sistema límbico responsável por respostas autônomas do organismo) que, conjugados com nossas apreensões ambientais (absorvidas pela parte mais evoluída do nosso cérebro, a saber, o córtex pré-frontal) constituem aquilo que chamamos de consciência. Esses mecanismos são expressos por meio de emoções primárias e secundárias como: o medo, a agressividade e a repugnância (mecanismos estruturalmente inatos na consciência) que conjugados com informações simbólicas ambientais se efetivam por meio do comportamento em resposta às demandas ambientais específicas de determinada comunidade. Demandas estas, conduzidas pela seleção natural. 
Desse modo, reconhecendo as evidências apresentadas pelas ciências que estudam o comportamento humano sob a ótica da evolução, observa-se que o fenômeno da violência é possível se, somente se, existir um mecanismo psicológico inato denominado agressividade. Assim sendo, se compararmos a história da produção cultural humana, (com aproximadamente 40.000 anos de existência), com a história evolutiva dos símios que antecederam o Homo Sapiens Sapiens, (com uma extensão que compreende um espaço de tempo de 2,5 a 2,9 milhões de anos), a violência representa um mecanismo muito mais antigo que nossas preocupações políticas e sociais. 
Portanto, reconhecer a violência como algo que faz parte da natureza humana, respondendo a motivações psicológicas mais elementares é o primeiro passo para compreender o funcionamento desse fenômeno e, assim, tentar abrandar suas consequências utilizando-se de abordagens mais humanistas (no amplo sentido do termo) e menos ambientais ideológicas como comumente fazemos. Como o psicólogo evolucionista Steven Pinker ressalta em sua obra Tábula Rasa: "A questão não é se nossa espécie é perversa e destrutiva, mas se abrigamos motivos perversos e destrutivos juntamente com os benévolos e construtivos. Isto ocorrendo, podemos tentar compreender quais são eles e como funcionam". 
Considerar apenas uma perspectiva ambientalista unilateral pode ser demasiadamente arriscado, uma vez que tal posicionamento proporciona a construção de engenharias ambientais excludentes muito mais perversas e impessoais que a natureza humana universal. Quando o ser humano utiliza de sua intrínseca projeção moral para amplificar a agressividade presenciamos a violência em seu estado mais nocivo...Temos assim, o ódio intercultural.